Fotografia: De inovação a instrumento de dominação

 Apesar da impossibilidade de materializar plenamente o que está em nossas mentes, a busca por formas de traduzir nossas imagens interiores levou à criação de técnicas e máquinas destinadas a representar objetivamente a realidade. Machado (1994) aponta que, a imagem, não vindo diretamente do homem, pressupõe sempre uma mediação técnica para exteriorizá-la. Nesse contexto, a fotografia surge em contraste com as artes plásticas, pois essa busca por uma representação objetiva das formas mentais deslocou o protagonismo e a liberdade artesanal do homem, automatizando o processo mediante máquinas e procedimentos.

Essa mecanização alimentou a percepção de que a fotografia era a melhor e mais objetiva forma de representar a realidade. “A polícia se utiliza da fotografia para identificar manifestantes nos acontecimentos políticos (...) o que importa para a instituição é (...) a eleição de um critério de ‘verdade’ universalmente aceito e socialmente respeitado.” (MACHADO, 1984, pág. 34). Isso fez com que esse artefato se tornasse uma ideologia, virando um poderoso instrumento de dominação da grande massa.

Sendo assim, a fotografia esta presente na atualidade de uma maneira perigosa, pois ela entra no processo de criação e definição do que é real. “É justamente a partir desse entendimento da fotografia como a imitação mais perfeita da realidade que ela serviu aos interesses dos agentes do imperialismo” (KRACHENSKI, 2022, pág. 7). Nesse contexto, a fotografia se transforma em um instrumento controlado por uma minoria dominante, capaz de impor suas narrativas e ditar o que é verdade para a maioria dominada.

É importante ressaltar que, nem tudo o que vemos é apenas massa de dominação, visto que, como afirma Machado (1984, pág. 42) até o limite em que a segurança das instituições não está em jogo, a classe dominante tira foto, porém, é só quando essa segurança e esse poder entra em risco que ela atira fogos. Esse uso seletivo do poder fotográfico ilustra como a fotografia opera em diferentes níveis: ora como ferramenta de controle, ora como um meio de registro aparentemente inofensivo.

Sendo assim, Paiva (2002, p. 19 apud CUNHA, 2012, WordPress) sugere que “a imagem não é o retrato de uma verdade, nem a representação fiel de eventos ou objetos”, mas uma espécie de ponte entre a realidade retratada e outras realidades. Contribuindo com esse recorte de que a imagem fotográfica visa apenas para satisfazer desejos e visões de mundo de quem a domina, um exemplo marcante é o uso da mesma fotografia (figura 1) sendo utilizada para contar duas histórias diferentes:


Figura 1

Fonte: Fotografia: utilização, registro, manipulação e educação | Mídias, Educação e Tecnologias (wordpress.com)


Portanto, a fotografia, ao longo de sua história, não apenas se estabeleceu como uma técnica para capturar a realidade, mas também como um dispositivo de poder. Sua capacidade de representar o mundo de forma "objetiva" é o que a torna um elemento perigoso, principalmente porque, ela é compreendida “(...)  não é apenas uma imagem (como uma pintura é uma imagem), uma interpretação do real; é também um vestígio, algo diretamente decalcado do real, como uma pegada ou uma máscara mortuária. (SONTAG, 2008, apud RODRIGUES e RODRIGUES, 2013, pág. 5). O uso da fotografia como instrumento ideológico reforça desigualdades, perpétua narrativas dominantes e restringe a liberdade criativa e interpretativa do mediador, deixando evidente que a busca por objetividade na representação visual pode, paradoxalmente, nos afastar de uma compreensão mais ampla e crítica do mundo.


Referências bibliográficas:


MACHADO, A. A ilusão especular: introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984.


MACHADO, Arlindo. As imagens técnicas: da fotografia à síntese numérica. Imagens, Campinas–SP: Unicamp, n.3. 1994.


KRACHENSKI, Naiara. Fotografia e Dominação: para uma história visual do colonialismo alemão (1884-1918). Revista de História, São Paulo, n. 181, p. 1–35, 2022.


RODRIGUES, Iara e RODRIGUES, Liliana. Fotografia e a Interpretação do Real. XXXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Manaus–AM, p. 1–11. 2013


PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. 2. ed. Rio de Janeiro: Autêntica, 2002. apud CUNHA, Rafael. Fotografia: utilização, registro, manipulação e educação. WordPress: Mídias, educação e tecnologias, 12 de agosto. Acesso em: 18 agosto 2024. 




Ficha técnica:


Texto desenvolvido por Mariane de Andrade Guimarães para a disciplina Teoria do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - 2024. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).

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